Cineavante destaca realizadores portugueses

Um espaço que cresce e se afirma

Cineavante destaca realizadores portugueses

Tal como noutros espaços da Festa do Avante!, o Cineavante tem como um dos seus objectivos principais mostrar o que de melhor fazem os criadores portugueses, neste caso no campo do cinema: durante três dias serão exibidos vários filmes de realizadores portugueses, entre ficção e documentário, longas e curtas metragens. Consta ainda da programação do Cineavante deste ano três momentos de evocação: dos 70 anos da vitória sobre o nazi-fascismo, de comemoração do centenário do nascimento de Manuel Guimarães e de homenagem a Manoel de Oliveira, recentemente falecido.

Surgido em 2010, o Cineavante tem vindo a ganhar um lugar destacado na Festa do Avante!. Graças à qualidade da sua programação – quase contínua ao longo de três dias – e às possibilidades que proporciona ao público de poder assistir a cinema de qualidade (sobretudo português, mas não só), o Cineavante está a conquistar um público fiel e crescente. Por esta razão, o espaço que lhe estava destinado rapidamente se tornou exíguo e, em 2013, teve mesmo que ser ampliado.

Para Nuno Franco, responsável pelo grupo de trabalho que organiza o Cineavante, uma das razões do seu êxito reside no facto de dar a conhecer filmes e realizadores que, na sua maioria, se encontram arredados dos principais circuitos comerciais, dominados pelas multinacionais do sector, que privilegiam os «blockbusters» produzidos nos Estados Unidos da América. A exibição desses filmes no Cineavante é, para milhares de visitantes da Festa, uma oportunidade única para os verem. Tal como sucede noutros espaços da Festa do Avante!, também aqui o objectivo é promover a cultura para todos e dar aos artistas portugueses a oportunidade de mostrar o seu trabalho perante um público vasto. E generoso.

A escolha dos filmes para esta edição, como para outras, não foi fácil, garante Nuno Franco, pois é grande a qualidade e quantidade de títulos à disposição. A opção recaiu em películas de realizadores consagrados e de outros ainda em busca de afirmação e reconhecimento. Os géneros são igualmente variados: ficção, documentário, curtas e longas metragens.

Bom cinema português

Alentejo, Alentejo, de Sérgio Tréfaut é um dos filmes em exibição no Cineavante, reunindo num só momento bom cinema e a justa homenagem a essa sublime expressão de cultura popular que é o Cante Alentejano, recentemente consagrada pela UNESCO como Património Cultural Imaterial da Humanidade. O filme, anterior à consagração, é uma «viagem a um modo de expressão musical único e à paixão dos seus intérpretes», como se lê na sinopse.

De Jorge Pelicano, Pára-me de Repente o Pensamento foi laureado com diversos e importantes prémios nacionais e internacionais: Selecção Oficial da Competição Portuguesa do Doc Lisboa 2014, Selecção Oficial da Competição Internacional do Dox Leipzig 2014 e Grande Prémio do Público para Melhor Realizador da edição de 2014 do Festival Caminhos. O tema da esquizofrenia é central nesta obra.

O filme de António-Pedro Vasconcelos Os Gatos não têm Vertigens, que será também exibido no Cineavante, relata uma improvável história de amizade e amor e retrata a distância e proximidade entre gerações. Do elenco fazem parte, entre outros consagrados actores, Maria do Céu Guerra e Nicolau Breyner. Os Maias, de João Botelho, é outra das obras que consta da programação do Cineavante. Baseada na obra homónima de Eça de Queirós, o filme tem percorrido o País, sobretudo em escolas e auditórios municipais, contornando desta forma as dificuldades impostas pelo circuito comercial.

Parceria frutuosa

O Cineavante repete este ano a parceria com a Shortcutz Lisboa, componente nacional de um movimento de curtas-metragens em vários países e cidades do mundo (em Lisboa, há sessões todas as terças-feiras, às 22 horas, no espaço O Bom, o Mau e o Vilão). No âmbito desta parceria serão exibidos no espaço do cinema da Festa do «Avante!» Branco, de Luís Alves, que conta com a participação do famigerado actor Nuno Melo, recentemente falecido; Kora, de Jorge Carvalho; Terra 2084, de Nuno Sá Pessoa; e o filme de animação Alda, da autoria de Ana Cardoso, Filipe Fonseca, Liliana Sobreiro e Luís Catalo.

As outras curtas em exibição serão Tesouras e Navalhas, um documentário sobre uma barbearia em Faro, da autoria de Hernâni Duarte Maria; Provas, Exorcismos, de Susana Nobre, que retrata as consequências do encerramento de uma fábrica no dia-a-dia de quem lá trabalhou durante vários anos; Videoclube, de Ana Almeida, que aborda os sonhos e perspectivas de vida de dois adolescentes que se dedicam a entregar cassetes de VHS obsoletas àquelas que as alugaram mais vezes; e Othon, de Guillaume Pazat e Martim Ramos, que centra a narrativa nos mais de 800 ocupantes de um antigo hotel de São Paulo, abandonado, que aí constroem uma sociedade própria. É um filme sobre «a luta por uma casa».

Privatizações – distopia do capital é um documentário brasileiro da autoria de Silvio Tendler e produzido pelo Sindicato dos Engenheiros do Estado do Rio de Janeiro e pela Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros, com o apoio da central sindical CUT. Para Nuno Franco, ao abordar a política de privatizações no Brasil dos anos 90 do século XX, o filme acaba por desvendar os interesses, motivos e justificações que sempre acompanham estes processos, inclusivamente em Portugal. «O guião é sempre o mesmo», garante.

Evocar a vitória, 70 anos depois

Vem e Vê, de Elem Klimov, é para muitos o melhor filme alguma vez feito sobre a Segunda Guerra Mundial e particularmente sobre a invasão nazi-fascista da União Soviética. A acção passa-se na Bielorrússia e centra-se no jovem Flyora, um adolescente de 16 anos. Se, no início do filme, Flyora surge igual a tantos outros jovens da sua idade, à medida que a narrativa avança e ele vai testemunhando o horror dos massacres perpetrados pelas forças invasoras, o seu rosto vai-se transfigurando e envelhecendo, transformando-se ele próprio num espelho da guerra.

A «Grande Guerra Patriótica» deixou profundas marcas nos países que então compunham a União Soviética, os que mais baixas sofreram em todo o conflito – mais de 20 milhões: no caso concreto da Bielorrússia, um em cada quatro pessoas pereceu durante a guerra. Os museus, memoriais e chamas eternas estão presentes um pouco por todo o território desses países e a literatura e o cinema soviéticos tiveram na guerra, na resistência e na vitória uma fonte de inspiração praticamente inesgotável.

Com a exibição de Vem e Vê, o Cineavante junta-se à evocação que a Festa do Avante! faz, este ano, a esse acontecimento extraordinário da história contemporânea que foi a vitória dos povos sobre o nazi-fascismo.

Homenagem a Manoel de Oliveira

Poucos meses após o desaparecimento de Manoel de Oliveira, aos 106 anos, o Cineavante evoca o realizador exibindo dois dos seus filmes, separados por várias décadas: de 1931, Douro, Faina Fluvial, obra neo-realista sobre o trabalho e os trabalhadores das actividades ligadas ao rio; e, de 2014, O Velho do Restelo, um dos seus derradeiros trabalhos.

Manuel Guimarães

Fruto de uma parceria com a Cinemateca Portuguesa, o Cineavante exibe o filme Nazaré, de 1952, com argumento de Alves Redol e realização de Manuel Guimarães – no ano em que se cumpre o centenário do nascimento do realizador. Como sublinha Nuno Franco, este criador neo-realista foi sempre muito censurado. Morreu em 1975, quando poderia finalmente ter dado largas a toda a sua imensa criatividade.

Sublinhando o facto de Manuel Guimarães ser um autor pouco conhecido pela generalidade dos portugueses, mesmo por muitos cinéfilos, o responsável pelo Cineavante espera que a exibição de Nazaré leve a que mais pessoas partam à descoberta deste autor, que o fascismo obscureceu.

Em jornal «Avante!»