Abordar a sexualidade derrubando tabus

Espaço Ciência na Festa do Avante!

Abordar a sexualidade derrubando tabus

Ao trazer a sexualidade para o Espaço Ciência, o grupo de trabalho desta área aposta na desmistificação de preconceitos, no rigor científico e no enquadramento político do tema. «Vai despertar curiosidade, até porque não é muito comum em festas do Partido», afirma o responsável, Augusto Flor.

Para o tema há lema: «Sexualidade: mecanismos e identidades. A vida continua!». «A última parte é uma espécie de trocadilho com a “luta continua!”, no âmbito da questão da sexualidade», afirma Augusto Flor, membro da direcção da Festa e responsável pelo grupo de trabalho que, há 15 anos, alimenta a exposição central do Espaço Ciência. «A primeira exposição de ciência na Festa do Avante! teve lugar no espaço da Organização Regional de Coimbra do PCP, em 1999», faz questão de realçar.

A grande preocupação com o rigor científico que tem caracterizado o trabalho subjacente às exposições e actividades da ciência mantém-se, e, com base nessa premissa, será estreita a colaboração com um conjunto de pessoas que podem ajudar a afinar conceitos na área temática eleita para este ano, tanto do ponto de vista científico como do ponto de vista político – «até porque se trata de questões que não foram alvo de uma reflexão tão profunda no Partido», acrescenta Augusto Flor na entrevista ao Avante!.

«Tendo em conta que nalgumas áreas da sociedade a sexualidade continua a ser tabu, a ideia de trazer o tema à Festa tem a ver com a vontade de desmistificar uma série de preconceitos que subsistem», prossegue o responsável, que afirma a necessidade de abordar a sexualidade sob diversos prismas, recorrendo para tal à biologia e às ciências sociais, e procurando enquadrar a exposição no tema preponderante da Festa, que são os 40 anos do 25 de Abril: «temos de perceber como é que o conjunto de mudanças políticas, económicas, sociais e culturais que se deram durante estes 40 anos influenciaram e até determinaram a forma como a sociedade portuguesa hoje vê as questões da sexualidade», esclarece.

Num dos seis módulos que, em princípio, irão constituir a exposição, o visitante terá oportunidade de recolher ampla informação sobre a importância do surgimento de dois sexos, da reprodução sexuada e da explosão de biodiversidade a ela associada – «representa um salto qualitativo espantoso para a vida na terra», afirma Luís Vicente, sublinhando logo de seguida que as questões do comportamento e da escolha se revelam fundamentais para esta forma de reprodução. «Só assim há evolução, aumento de biodiversidade».

«A linha que separa a natureza da cultura é muito ténue, cada vez mais ténue», daí a importância de se recorrer à história, à antropologia, à sociologia e à psicologia para identificar e ver como evoluíram alguns aspectos e conceitos ligados à sexualidade como o parentesco, a poligamia, a bigamia ou a monogamia. Neste segundo módulo, em que a sexualidade é perspectivada sobretudo à luz das ciências sociais, os painéis que o visitante pode encontrar incidirão ainda em questões como os interditos sexuais, o erotismo, a pornografia ou as relações com a estética e a política, informa Augusto Flor.

Emília Costeira interveio em seguida sobre o tema numa perspectiva política, tendo destacado a importância de se legislar na defesa dos direitos, liberdades e garantias, e contra a discriminação. Se existe reconhecimento legal da igualdade de direitos entre homens e mulheres e perante outros grupos que assumem a diferença, como as lésbicas ou os gays, a verdade é que «essa igualdade não é reconhecida na prática, existe violação de direitos», nomeadamente a nível laboral – e deu como exemplos o facto de as mulheres ganharem menos do que os homens ou serem punidas por engravidar. Pela positiva, referiu-se à educação sexual nas escolas, pela importância que assume na prevenção da gravidez na adolescência e também na formação dos indivíduos, prevenindo a ocorrência de comportamentos discriminatórios.

No mesmo módulo estarão ainda em destaque o tráfico humano e a exploração sexual, «negócio de milhões, crime em crescimento e difícil de combater», afirmou Anabela Silva, que se referiu também ao facto de a Constituição de 1976 ter consagrado a igualdade entre homens e mulheres e de hoje a discriminação estar a aumentar: «o PCP tem alertado para isso, para a situação das mulheres no trabalho, na família e na sociedade». Esta situação é também um reflexo da política de direita, conclui.

«A sexologia: direitos e deveres sociais» será o tema fundamental de um outro módulo, explica Joana Dinis. Nele, serão abordadas questões «consideradas tabu para muitas pessoas e sobre as quais há ainda muito desconhecimento», que são a sexualidade na infância, a sexualidade nos idosos e a sexualidade nas pessoas com deficiência. Com este módulo «pretende-se desmontar algumas ideias pré-concebidas e transmitir conhecimento» sobre estes temas, diz ainda Joana Dinis.

Depois de Cristina Piçarra se referir brevemente ao módulo intitulado «As revoluções sexuais» – no qual é abordada a história do movimento gay, transexual e, com maior destaque, do movimento feminista –, Augusto Flor sublinha que a exposição representa aquilo que o colectivo pensa de cada tema em cada ano, reflectindo «as preocupações que tem em denunciar situações e apresentar propostas», e que um dos módulos que deixam patente a posição dos comunistas sobre a temática em questão é a «Perspectiva marxista da sexualidade», no qual se enquadram temas como o tráfico humano e a exploração capitalista, o marxismo e a sexualidade, o sexo e lucro e o sexo e reprodução do domínio da burguesia, entre outras.

Trabalho de raiz

Na entrevista ao Avante!, o responsável pelo grupo de trabalho do Espaço Ciência sublinha que «muita gente vai à Festa para ver a nossa exposição»; outros aparecem lá «por curiosidade» e, especialistas ou não, fazem sugestões e críticas.

Por isso, Augusto Flor destaca a importância de se perceber que as exposições e actividades do Espaço Ciência «são concebidas, construídas de raiz» pelo grupo de trabalho – que faz a pesquisa, a investigação, determina os módulos a exibir, o número e a dimensão dos painéis e os temas a debater. «Não é algo que vamos buscar aqui ou ali; é o grupo de trabalho que faz tudo», enfatiza.

Artista residente

O grupo de trabalho do Espaço Ciência tem a vantagem de poder contar com uma artista plástica residente – Aurora Bargado –, que fala ao Avante! sobre a forma como as artes plásticas estão presentes no espaço, tendo em conta o tema que é abordado.

«Este ano, a instalação vai ter uma mensagem; mais concretamente, vai apresentar alguns artigos da Constituição, realçando a dimensão política do tema», afirma.

«Trata-se de duas figuras femininas», precisa a autora, explicando em seguida que ali se configura uma «situação de desequilíbrio». Com isso, pretende realçar o facto de a mulher «estar a ser penalizada, dar um passo à frente e dois atrás», continuando ser alvo de discriminação laboral, de escravatura sexual, de violações, mutilação. «Tudo isto justifica a presença dessas duas figuras femininas, a existência desse desequilíbrio».

A debater e a brincar

Ao longo dos três dias da Festa, haverá quatro debates sobre sexualidade no auditório do Espaço Ciência, que, revela Joana Dinis, irão contar com a presença de especialistas nas diversas áreas abordadas.

«Sexualidade na comunicação social e na publicidade», «A identidade, os direitos e liberdades» e «A educação sexual na família e no sistema de ensino» serão os temas a debater; uma quarta palestra, que será dada por um astrónomo, é para já um segredo guardado e surpreendente.

Para além disso e à semelhança de anos anteriores, as crianças terão um espaço próprio no Espaço, e também não faltará o já habitual jogo interactivo com perguntas e respostas.

Ciência a dialogar com a arte

Da mesma forma que em edições anteriores, a arte, nas suas diversas expressões, voltará a alimentar um diálogo constante com a ciência. Em todos os módulos temáticos haverá referências literárias – «a escritores, sobretudo portugueses, que abordam a questão da sexualidade de forma mais velada ou explícita», explicam Alice Figueira e Célia Figueira. Camões, Bocage, Eugénio de Andrade, Maria Teresa Horta, Florbela Espanca, António Botto, Ary dos Santos, Jorge de Sena, Carlos Drummond de Andrade, James Joyce e Aristófanes são alguns dos autores que terão textos em destaque.

Para além da literatura, irão também dialogar com a ciência a pintura (com contributos de Graça Morais, Martins Correia, Júlio Pomar), a escultura (de João Cutileiro), o cinema, a fotografia, a música e a dança, precisam Alice e Célia.

Notícia jornal «Avante!», Nº 2121 de 24 de Julho de 2014

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