Manuel de Falla (1876-1946)

Manuel de Falla foi, conjuntamente com Albéniz e Granados, um dos primeiros compositores espanhóis a adquirir notoriedade internacional. Para isso foi determinante a sua ida para Paris no ano de 1907 onde passou a conviver com algumas das figuras cimeiras do mundo musical e até artístico em geral: Claude Debussy, Maurice Ravel, Paul Dukas, Igor Stravinsky e até o seu conterrâneo Albéniz. Todos eles influíram, de uma ou outra forma, no desenvolvimento do seu estilo enraizado num tipo de canção andaluza antiga, o cante jondo. Recorde-se que Falla era natural de Cádiz e ai fez a sua formação base.

É quando regressa a Madrid em 1914, trazendo de Paris uma recheada bagagem artística e intelectual, que compõe um conjunto de três obras que lhe vão granjear fama mundial e em que a sua mestria como compositor se torna indiscutivelmente visível: São elas as Noites nos Jardins de Espanha, uma espécie de concerto para piano e orquestra formado por três impressões sinfónicas com piano e a que talvez se deva chamar “sinfonia para piano”, e os bailados El Amor Brujo (O Amor Bruxo) e El Sombrero de Tres Picos (O Chapéu de Três Bicos), este último apresentado por Dyagilev [ou Diaguilev], nos célebres Ballets Russes (Bailados Russos), com cenografia e guarda roupa desenhados por Picasso – o que muito diz da relevância artística do espectáculo. Em todas estas composições sente-se a forte presença da Espanha, e em particular da Andaluzia, no tipo de harmonias e paleta de sons. Mas Fala acabou por morrer longe da pátria, na Argentina para onde foi viver em 1939.

Dança Ritual do Fogo

Esta dança é uma das dezoito partes constitutivas do bailado-pantomina El amor brujo, estreado no Teatro Lara de Madrid no ano de 1915. Foi escrito para Pastora Império com base num texto de Gregório Martínez Sierra. Como em outras partituras de Falla, encontramos aqui um retrato sonoro, musical, das intensas, variadas, e sinceras vivências do artista na sua terra andaluz. É uma reflexão musical sobre a região da Andaluzia e as suas gentes.

Este bailado é um drama particularmente violento umbilicalmente associado à música cigana andaluza, mas sem directa utilização de temas populares resultantes de trabalho de recolha etnomusicológica. Notem-se os trémulos nas cordas, logo no princípio, preparando a entrada do tema principal que surge inicialmente nos sopros, saltando depois para os instrumentos de corda (violinos, violas, violoncelos).

A Danza ritual del fuego é o décimo terceiro quadro do bailado. É um momento de grande efeito, caracterizado também por uma incisiva representação da magia da expressão corporal dos bailarinos, assim como por ritmos muito vivos.

Esta dança é muitas vezes tocada em recitais de piano, como peça para piano solo. Foi o conhecido pianista polaco/americano Artur Rubinstein, que conheceu Falla e muito o admirou, tendo até assistido à estreia mundial de Noches en los Jardines de España (obra que logo integrou no seu reportório, causando sensação nas salas de concerto da Europa e dos EUA), quem celebrizou essa transcrição para piano. O público lisboeta menos jovem recordará com saudade o inolvidável recital de Rubinstein no Coliseu, nos anos 1970, que encerrou com a execução desta peça, com os braços de Rubinstein elevando-se alto sobre o teclado com sedutora exuberância, marcando o ritmo numa espécie de coreografia pianística. Momento interpretativo mágico para uma dança mágica.

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